Publicado no Diário Oficial da União em 1º de novembro de 2018, o novo Código de Ética Médica entra em vigor na próxima semana, dia 30, após 180 dias. Foram três anos de discussões e análises, de acordo com o Conselho Federal de Medicina, para se chegar à versão final, que atualizou a norma que está vigente desde 2009, trazendo novidades.
Em entrevista ao Jornal da Associação Médica do Paraná, o JAMP, o Dr. Donizetti Dimer Giamberardino Filho, 1º gestor do Departamento de Fiscalização do Exercício Profissional do Conselho Regional de Medicina (CRM-PR) e conselheiro representante do Paraná no CFM, fez uma análise detalhada das principais alterações e pontuou que não foram muitas, mas que ampliam, no seu entendimento, a visão de proteção da sociedade, numa perspectiva mais coletiva e de solidariedade, acrescentando alguns deveres ao médico e admitindo que hoje tem que se trabalhar com as ferramentas da era da saúde digital.
O novo texto contém o mesmo número de capítulos, 14 no total, que abordam princípios fundamentais, direitos e deveres dos médicos. Giamberardino cita duas importantes mudanças nos princípios. Ele informa que no artigo onde é previsto que compete ao médico aprimorar continuamente seus conhecimentos e usar melhor do progresso científico em benefício do paciente e da sociedade, foi acrescentada esta última palavra, o que avalia como uma mensagem para o profissional de que precisa ter um olhar além do paciente, com vistas à promoção e prevenção da saúde como um todo.
Ao mesmo capítulo foi adicionado um novo artigo, estabelecendo que a medicina será exercida com a utilização dos meios técnicos e científicos disponíveis que visem aos melhores resultados. “Quando se opta pelo termo disponível em vez de possível, isso tem um peso grande, pois significa o que se pode prover. Também será necessário medir resultados, o que passa a ser um compromisso ético. Não é tratar por tratar. Na sociedade atual, em que tudo tem que ser sustentável, é uma adaptação das visões que se tem da medicina hoje”, afirma.
Direitos
Houve acréscimos também no capítulo relativo aos direitos dos médicos e o conselheiro considera que representam avanços. Entre os artigos que menciona está o que prevê a recusa do profissional em exercer seu ofício em instituição pública ou privada onde as condições de trabalho não sejam dignas ou possam prejudicar a própria saúde ou a do paciente, bem como a dos demais profissionais. Nesse caso, deverá comunicar com justificativa e maior brevidade sua decisão ao diretor técnico, ao Conselho Regional de Medicina de sua jurisdição e à Comissão de Ética da instituição, quando houver. Além de reforçar a importância da criação de comissões de ética nos locais de trabalho, a nova redação acresce a figura do diretor técnico. “É mais uma linha recursal que o médico tem para fazer denúncias”, ressalta.
O novo documento determina, ainda, a isonomia de tratamento ao profissional com deficiência, prevendo que é direito seu, nos limites de suas capacidades e da segurança dos pacientes, exercer a profissão sem ser discriminado. Segundo Giamberardino, havia um silêncio no Código de Ética a respeito do médico com deficiência.
Vedações
Quanto às vedações, a primeira alteração refere-se ao capítulo dos direitos humanos, onde foi acrescentado um parágrafo ao artigo que proíbe o profissional de tratar o ser humano sem civilidade ou consideração, desrespeitar sua dignidade ou discriminá-lo de qualquer forma ou sob qualquer pretexto, estipulando que o médico deve ter para com seus colegas respeito, consideração e solidariedade. Na versão anterior, esclarece o gestor, esta última palavra não estava presente. “E essa questão da solidariedade é o que chamamos de uma cláusula aberta para a razoabilidade, pois sua extensão é muito subjetiva”, acrescenta.
No capítulo relativo à relação com pacientes e familiares, ele chama a atenção para uma ampliação do dever do médico perante sua conduta, classificando a nova redação como uma importante mudança. “O artigo que agora veda ao profissional deixar de usar todos os meios disponíveis de promoção de saúde e de prevenção, diagnóstico e tratamento de doenças, cientificamente reconhecidos e a seu alcance, em favor do paciente, era limitado anteriormente ao diagnóstico e tratamento. Então, a promoção da saúde e a prevenção passaram a ser uma obrigação. Na prática, é a incumbência de informar, por exemplo, sobre vacinas e hábitos saudáveis. Não é simplesmente tratar as queixas”, assinala Giamberardino.
O conteúdo relacionado aos documentos médicos também ficou mais amplo. O profissional não poderá usar formulários institucionais para atestar, prescrever e solicitar exames ou procedimentos fora da instituição a que pertença. “Isso sempre foi proibido, mas aumentou a rigidez ao serem incorporados exames e procedimentos”, esclarece. Ainda em relação ao tema, foi acrescentada a proibição de consultar, diagnosticar ou prescrever por qualquer meio de comunicação de massa ao artigo que veda a prescrição de tratamento e outros procedimentos sem exame direto do paciente.
A nova redação prevê também que a utilização de mídias sociais e instrumentos correlatos deve respeitar as normas do CFM, assim como o atendimento médico à distância, nos moldes da telemedicina ou de outro método, que ocorrerá sob regulamentação do Conselho. De acordo com o conselheiro, já era uma sinalização de que haveria modificações e uma certa autorização para atendimentos à distância em algumas situações, desde que seguras ao paciente, o que se confirmou em fevereiro, quando foi publicada uma resolução que definia e disciplinava a telemedicina como forma de serviços médicos mediados por tecnologia. Porém, em atendimento ao pleito de entidades médicas de todo o país, que pretendem elaborar uma norma conjuntamente, o documento foi revogado.
O código ainda estabelece que caberá ao médico assistente, ou a seu substituto, elaborar e entregar o sumário de alta. Com isso, o profissional não poderá se recusar a repassar o prontuário ao paciente ou seu representante legal. “O médico terá o dever de entregar o sumário de alta, um resumo que ajudará o paciente, quando for consultar com outros profissionais, a transmitir com mais exatidão o que foi tratar”, indica o conselheiro. Para ele, a nova determinação é um avanço social, que traz benefícios e segurança.
Outra mudança está no artigo que proíbe o médico de liberar cópias do prontuário sob sua guarda, exceto para atender ordem judicial ou para sua própria defesa, assim como quando autorizado por escrito pelo paciente. Como informa Giamberardino, na resolução antiga, quando solicitado pelo juiz, o prontuário era disponibilizado ao perito médico nomeado. “Agora, deverá ser encaminhado ao juízo requisitante e não a este profissional”, acrescenta.
O novo código ainda inovou ao estabelecer, no capítulo de ensino e pesquisa médica, a possibilidade de acesso a esse tipo de documento em estudos retrospectivos, desde que justificável por questões metodológicas e autorizado pela Comissão de Ética em Pesquisa em Seres Humanos (CEPSH) ou pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep). Mais uma modificação é o veto à manutenção de vínculo de qualquer natureza com pesquisas médicas em seres humanos que usem placebo de maneira isolada em experimentos, quando houver método profilático ou terapêutico eficaz. “Além de não poder usar quando tem algum resultado, é proibido caso existam bons critérios de prevenção da doença estudada. Então, o novo texto amplia a segurança ao sujeito da pesquisa”, salienta.
Publicidade médica
Quanto à publicidade médica, o profissional, quando anunciar a especialidade, deverá também passar a informar o Registro de Qualificação de Especialista (RQE). Na versão ainda em vigor, era exigido apenas o nome e o número no CRM, com o estado no qual foi inscrito.
No entendimento do CFM, a revisão da principal norma de conduta dos médicos atende a uma necessidade natural e permanente diante dos avanços inerentes à evolução tecnológica e científica da medicina. O último trabalho de reexame do código havia sido realizado em 2007 sobre um documento que vigorava há quase duas décadas. Na oportunidade, conforme o Conselho, foram quase dois anos de estudos preparatórios, com comissões estaduais e nacionais multidisciplinares, consulta pública pela internet e cerca de três mil propostas de modificação.
Neste último trabalho, as sugestões foram analisadas pelas comissões estaduais de revisão dos CRMs e pela Comissão Nacional de Revisão do Código de Ética Médica do CFM, tendo sido realizados também, informa o órgão, encontros regionais. A deliberação sobre a redação final ocorreu na III Conem (Conferência Nacional de Ética Médica), ocorrida em agosto de 2018, em Brasília.
No Brasil, o primeiro Código de Ética Médica foi publicado em 1867, inspirado no Código de Ética Médica da Associação Médica Americana. Desde então, os regulamentos têm procurado manter o compromisso de sustentar, promover e preservar o prestígio profissional, proteger a união da categoria, garantir à sociedade padrões de prática e estabelecer valores, deveres e virtudes profissionais.
Além de representar o Paraná no CFM e ser 1º gestor do Defep do CRM-PR, onde também coordena a Câmara Técnica de Bioética, o conselheiro é o atual coordenador da Comissão Nacional Pró-SUS e representante do CFM na Câmara Técnica de Saúde Suplementar na ANS. Presidiu o CRM-PR de 2003 a 2005 e a Sociedade Paranaense de Pediatria no biênio 2000-2001. Formado pela UFPR em 1977, é especialista em Pediatria e Nefrologia, com área de atuação em Nefrologia Pediátrica.
Principais mudanças
Princípios fundamentais | ||||
Como era | Como ficou | |||
V - Compete ao médico aprimorar continuamente seus conhecimentos e usar o melhor do progresso científico em benefício do paciente. |
V – Compete ao médico aprimorar continuamente seus conhecimentos e usar o melhor do progresso científico em benefício do paciente e da sociedade. | |||
O princípio XXVI não existe no código atual. No documento que entrará em vigor em maio o seu conteúdo é o seguinte: A medicina será exercida com a utilização dos meios técnicos e científicos disponíveis que visem aos melhores resultados. | ||||
Direitos do Médico | ||||
III - Apontar falhas em normas, contratos e práticas internas das instituições em que trabalhe quando as julgar indignas do exercício da profissão ou prejudiciais a si mesmo, ao paciente ou a terceiros, devendo dirigir-se, nesses casos, aos órgãos competentes e, obrigatoriamente, à comissão de ética e ao Conselho Regional de Medicina de sua jurisdição. | III – Apontar falhas em normas, contratos e práticas internas das instituições em que trabalhe quando as julgar indignas do exercício da profissão ou prejudiciais a si mesmo, ao paciente ou a terceiros, devendo comunicá-las ao Conselho Regional de Medicina de sua jurisdição e à Comissão de Ética da instituição, quando houver. | |||
IV - Recusar-se a exercer sua profissão em instituição pública ou privada onde as condições de trabalho não sejam dignas ou possam prejudicar a própria saúde ou a do paciente, bem como a dos demais profissionais. Nesse caso, comunicará imediatamente sua decisão à comissão de ética e ao Conselho Regional de Medicina. | IV – Recusar-se a exercer sua profissão em instituição pública ou privada onde as condições de trabalho não sejam dignas ou possam prejudicar a própria saúde ou a do paciente, bem como a dos demais profissionais. Nesse caso, comunicará com justificativa e maior brevidade sua decisão ao diretor técnico, ao Conselho Regional de Medicina de sua jurisdição e à Comissão de Ética da instituição, quando houver. | |||
O inciso XI não existe no código atual e foi incluído, ficando com o seguinte conteúdo: É direito do médico com deficiência ou com doença, nos limites de suas capacidades e da segurança dos pacientes, exercer a profissão sem ser discriminado. |
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Vedações | ||||
No capítulo IV, Direitos Humanos, houve apenas a inserção do parágrafo único ao Artigo 23, estabelecendo: O médico deve ter para com seus colegas respeito, consideração e solidariedade. | ||||
Art. 32. Deixar de usar todos os meios disponíveis de diagnóstico e tratamento, cientificamente reconhecidos e a seu alcance, em favor do paciente. |
Art. 32. Deixar de usar todos os meios disponíveis de promoção de saúde e de prevenção, diagnóstico e tratamento de doenças, cientificamente reconhecidos e a seu alcance, em favor do paciente. | |||
Art. 37. Prescrever tratamento ou outros procedimentos sem exame direto do paciente, salvo em casos de urgência ou emergência e impossibilidade comprovada de realizá-lo, devendo, nesse caso, fazê-lo imediatamente após cessar o impedimento. Parágrafo único. O atendimento médico a distância, nos moldes da telemedicina ou de outro método, dar-se-á sob regulamentação do Conselho Federal de Medicina. |
Art. 37. Prescrever tratamento e outros procedimentos sem exame direto do paciente, salvo em casos de urgência ou emergência e impossibilidade comprovada de realizá-lo, devendo, nesse caso, fazê-lo imediatamente depois de cessado o impedimento, assim como consultar, diagnosticar ou prescrever por qualquer meio de comunicação de massa. § 1º O atendimento médico a distância, nos moldes da telemedicina ou de outro método, dar-se-á sob regulamentação do Conselho Federal de Medicina. § 2º Ao utilizar mídias sociais e instrumentos correlatos, o médico deve respeitar as normas elaboradas pelo Conselho Federal de Medicina. |
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Art. 82. Usar formulários de instituições públicas para prescrever ou atestar fatos verificados na clínica privada. | Art. 82. Usar formulários institucionais para atestar, prescrever e solicitar exames ou procedimentos fora da instituição a que pertençam tais formulários. | |||
O artigo 87 ganhou o parágrafo terceiro, com a seguinte redação: Cabe ao médico assistente ou a seu substituto elaborar e entregar o sumário de alta ao paciente ou, na sua impossibilidade, ao seu representante legal. | ||||
Art. 101. Parágrafo único. No caso do sujeito de pesquisa ser menor de idade, além do consentimento de seu representante legal, é necessário seu assentimento livre e esclarecido na medida de sua compreensão. |
Art. 101. § 1º No caso de o paciente participante de pesquisa ser criança, adolescente, pessoa com transtorno ou doença mental, em situação de diminuição de sua capacidade de discernir, além do consentimento de seu representante legal, é necessário seu assentimento livre e esclarecido na medida de sua compreensão. § 2º O acesso aos prontuários será permitido aos médicos, em estudos retrospectivos com questões metodológicas justificáveis e autorizados pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) ou pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep). |
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Art. 106. Manter vínculo de qualquer natureza com pesquisas médicas, envolvendo seres humanos, que usem placebo em seus experimentos, quando houver tratamento eficaz e efetivo para a doença pesquisada. |
Art. 106. Manter vínculo de qualquer natureza com pesquisas médicas em seres humanos que usem placebo de maneira isolada em experimentos, quando houver método profilático ou terapêutico eficaz. |
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Art. 118 - Deixar de incluir, em anúncios profissionais de qualquer ordem, seu nome, seu número no Conselho Regional de Medicina. |
O Art. 118 foi renumerado para 117: Art. 117. Deixar de incluir, em anúncios profissionais de qualquer ordem, seu nome, seu número no Conselho Regional de Medicina, com o estado da Federação no qual foi inscrito e Registro de Qualificação de Especialista (RQE) quando anunciar a especialidade. |
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